ISAVIÇOSA

ISAVIÇOSA em colaboração pela soberania alimentar

Nos últimos meses, o debate sobre o aumento da fome no Brasil vem se tornado cada vez mais presente em encontros de movimentos sociais, nas mídias e na mesa do povo brasileiro – onde o assunto mais causa impacto.

De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, publicado em junho deste ano, cerca de 33 milhões de pessoas passam fome em nosso país e, dentre essas, 25% vivem no Norte e 21% no Nordeste do país. A pesquisa tem como amostra cerca de 13 mil domicílios e apresenta resultados similares ao cenário dos anos 1990.

Diante disso, como estratégia de enfrentamento e combate à fome, são fundamentais iniciativas que visem a soberania alimentar. De acordo com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), assim como a Via Campesina Internacional, “soberania alimentar é o direito dos povos de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que garantam o direito à alimentação a toda a população, com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses de produção, de comercialização e de gestão”.

O ISAVIÇOSA atua em prol da soberania alimentar. Como coloca Pedro Christo, gestor do Instituto, a soberania alimentar está intimamente ligada à ideia de autonomia e de menor dependência das grandes redes da indústria alimentícia que, em geral, comercializam produtos pouco nutritivos e de qualidade duvidosa. 

Renata Solar, engenheira agrônoma e colaboradora do ISAVIÇOSA em ações pela soberania alimentar relata que é importante um olhar atento para o que se desenhou a partir da segunda metade do século XX, no pós-guerra. “Com o mundo vivendo uma crise alimentar, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) pautou a alimentação enquanto direito e condição básica para a vida humana. 

Programa de Agroecologia e Soberania Alimentar e outras ações

Felipe Senna, Diretor Executivo do Instituto explica que  “desde a sua criação, o ISAVIÇOSA trabalha em prol da qualidade ambiental, da qualidade de vida, da promoção da melhoria do meio ambiente de modo geral, da prática de modos de produção sustentáveis, e sempre teve uma ligação muito forte com o movimento da agroecologia”. Segundo ele, isso pode ser observado no próprio sítio onde está a sede do Instituto. “Ao longo dos anos, vêm sendo  implementadas diversas  experiências, como  sistemas agroflorestais, plantio de água, horta comunitária, curso de alimentação consciente, entre outras ações que estão relacionadas, diretamente, com a produção de alimentos“, explica Senna. 

Além dos trabalhos em Viçosa, o ISAVIÇOSA atua na Amazônia, com comunidades tradicionais. Em 2018, em parceria com a UFV e com diversas organizações comunitárias da região da Floresta Nacional do Purus, no oeste do estado do Amazonas, com destaque para a Cooperativa Agroextrativista do Mapiá e Médio Purus (COOPERAR),  o ISAVIÇOSA articulou a criação do Programa de Agroecologia e Soberania Alimentar da Vila Céu do Mapiá.  

Pedro Christo explica que essa ação objetiva “apoiar a continuidade de uma atividade agrícola, lá na Floresta Nacional do Purus, no Igarapé Mapiá, tanto na Vila Céu do Mapiá quanto na Comunidade Fazenda São Sebastião, e nas comunidades ribeirinhas, Sinibu, Prainha e Dom João, às margens do rio Purus”. 

“Os moradores da região sempre tiveram essa prática de plantio, de produção para a subsistência. Porém, nos últimos anos, isso estava um pouco enfraquecido. Como essas são comunidades isoladas, elas têm a necessidade de produção do próprio alimento para garantir sua segurança alimentar”, acrescenta o gestor. O Programa é coordenado pela equipe de extensionistas Felipe Senna e Renata Solar, assessorados pelo professor Dr. Felipe N. B. Simas, do Departamento de Educação da UFV, e tem como principal financiador o Instituto Nova Era, sediado em Ribeirão Preto (SP).  O ISAVIÇOSA atua na articulação institucional, presta assessoria técnica e  apóia a mobilização social, além de ajudar na captação de recursos para viabilização do Programa. 

Renata Solar destaca a importância dessa abrangência dos trabalhos desenvolvidos pelo ISAVIÇOSA, para além do município de Viçosa. “Acho muito legal essa troca de saberes nesses outros locais”, ressalta. Ela conta que as ações desenvolvidas nas comunidades são voltadas para o fortalecimento comunitário, visando sempre o protagonismo dos produtores locais.

Em relação ao Programa de Agroecologia e Soberania Alimentar, Renata destaca que “ o que é mais interessante no projeto, na verdade, é que ele é uma construção em parceria com a comunidade o tempo todo. Isso é um diferencial, porque a gente, como técnico, tenta, o máximo possível, se aproximar desse contexto específico, ali, da comunidade, que possui, por exemplo, o saber de plantar arroz, feijão, cana, milho, macaxeira, que é a base alimentar populacional. Durante muitos anos, compravam fora da comunidade, apenas óleo e sal.”  De acordo com Renata, o trabalho desenvolvido no Programa busca proporcionar momentos para a troca desses saberes, de forma a incentivar a participação dos jovens também, para resgatarem e continuarem a prática de plantar o próprio alimento. “Isso é resiliência, se alimentar e se nutrir conectados com a natureza” ressalta ela. 

O Programa, iniciado em 2019, vem apresentando resultados muito positivos. No primeiro ano, eram 12 famílias participantes em 2 polos produtivos. Já em 2020, alcançou 45 famílias, em 3 pólos produtivos. No primeiro ano, o foco da produção se concentrou em 6 produtos e hoje já são mais de 200, comercializados na Casa de Produção (espaço comunitário para a comercialização dos produtos locais). Além de contribuir para o movimento de soberania alimentar da comunidade, o programa contribui também para a geração e complementação de renda das famílias envolvidas. 

Com muito entusiasmo, Renata compartilha um depoimento de uma moradora alcançada pelo Programa que afirmou: “nunca mais, depois que abriu a Casa de Produção, eu comprei arroz e feijão na rua. Nunca mais!”. Segundo a técnica, esse exemplo aborda uma questão muito importante, pois para os moradores da Floresta, a busca por comida “na rua” (nos centros urbanos) implica em  dificuldades com longas distâncias, transporte difícil e caro, preços mais altos, consumo de produtos industrializados e pouco nutritivos e, por vezes, na desvalorização dos produtos locais, o que acaba contribuindo para a perda da identidade materializada no alimento local.

 Assim, ainda de acordo com Renata, depoimentos como esse demonstram que há um reconhecimento entre os próprios moradores da comunidade, e  celebra: “escutar isso é muito importante para o produtor, para ele se ver. É o reconhecimento do seu trabalho. Isso contribui para que o agricultor e a agricultora vejam a importância e o valor do papel deles perante a sociedade. Então, assim, esse reconhecimento e esse retorno que vêm dos comunitários são para eles mesmos, e é mérito deles mesmo, e tudo isso valoriza e fortalece o movimento pela soberania alimentar”.

Fotos: Acervo do Programa de Agroecologia e Soberania Alimentar

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